Novo réptil fóssil ajuda a entender como eram os ecossistemas antes do surgimento dos dinossauros


Antes que os dinossauros dominassem o planeta, uma diversidade de outros répteis ocupava os ecossistemas da Era Mesozoica. Por volta de 237 milhões de anos atrás, ainda no Triássico Médio, os dinossauros eram representados por espécies precursoras, que não eram tão diversas nem abundantes. Em contraste, diversos grupos de organismos já estavam bem estabelecidos. Muitos pertenciam à linhagem que daria origem aos jacarés e crocodilos atuais, enquanto outros faziam parte do grupo que eventualmente deu origem aos mamíferos. Além disso, havia linhagens únicas que surgiram e desapareceram ao longo do Período Triássico. Entre elas, destaca-se o grupo chamado de Proterochampsidae, composto por várias espécies de répteis carnívoros que habitaram a região que hoje corresponde à América do Sul entre 237 e 228 milhões de anos atrás.  Esse grupo de répteis é particularmente interessante porque ocupa uma posição crucial na árvore evolutiva dos répteis, sendo um dos mais proximamente aparentados à linhagem que deu origem tanto aos jacarés e crocodilos quanto aos dinossauros. Dessa forma, compreender a evolução dos proterochampsídeos é fundamental para esclarecer quais características podem ter contribuído para o sucesso evolutivo desses grupos durante a Era Mesozoica. No entanto, os fósseis de proterochampsídeos ainda são relativamente escassos, especialmente aqueles que preservam as partes do esqueleto responsáveis pela locomoção. Já um novo achado oriundo do município de Paraíso do Sul-RS traz mais dados para essa questão e ajuda a preencher uma lacuna que existia na árvore evolutiva dos proterochampsídeos.
O novo fóssil foi entregue ao Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta da Colônia da Universidade Federal de Santa Maria (CAPPA/UFSM) em janeiro de 2024 por meio de uma doação realizada pelo Sr. Pedro Lucas Porcela Aurélio. No centro de pesquisa, os materiais doados pelo Sr. Aurélio ficaram sob os cuidados do paleontólogo Rodrigo Temp Müller, que iniciou o trabalho de preparação e limpeza dos fósseis. Por estarem envoltos por uma camada espessa de rocha, os elementos precisaram ser preparados com o uso de marteletes pneumáticos e ácido. Durante essa etapa, o paleontólogo identificou algumas espécies ainda desconhecidas, dentre elas o fóssil de um membro posterior (perna) completo e articulado. 

  Esse material em questão apresentava uma constituição peculiar, sendo mais robusto do que normalmente se esperaria para um animal daquele tamanho. Ao comparar as características ósseas da perna fossilizada, foi possível constatar que se tratava de um proterochampsídeo, mas diferente de todos os outros já conhecidos. Assim, o fóssil foi reconhecido como uma nova espécie e recebeu o nome de Retymaijychampsa beckerorum em um estudo publicado no periódico científico Acta Palaoentologica Polonica.
Nome e características
Retymaijychampsa beckerorum é uma das mais antigas espécies de proterochampídeos já descobertos, tendo por volta de 237 milhões de anos. Com base nas medidas da perna fossilizada, é possível estimar que o pequeno réptil teria cerca de 80 cm de comprimento. Porém, como ainda são conhecidos poucos materiais da nova espécie, não se descarta a possibilidade de que a espécie poderia ter atingido tamanhos maiores. Com base em comparações com outros proterochampídeos, pode-se afirmar que o réptil foi quadrúpede e carnívoro, uma vez que todos outros proterochampsídeos possuíam esse hábito alimentar. 

Dentre as características que mais chamam a atenção, destaca-se a robustez dos ossos da perna, indicando que a espécie possuía membros posteriores bastante fortes, possivelmente utilizados para impulsionar o animal em investidas rápidas na tentativa de emboscar presas. De fato, por meio da combinação de palavras do grego e do guarani, a configuração única da perna serviu de inspiração para o nome do gênero, que significa “crocodilo de perna forte”. Já o nome da espécie é uma homenagem a família Becker, dona das terras onde o fóssil foi descoberto.
Preenchendo uma lacuna evolutiva
A maior parte dos proterochampsídeos é conhecida através de fósseis cranianos, sendo que outras partes do esqueleto são geralmente incompletas ou mal preservadas. Assim, a descoberta de Retymaijychampsa beckerorum, que é conhecido através de uma perna completa, ajuda a entender melhor como foi a anatomia do membro posterior desses animais durante sua origem. Embora expresse características comuns do grupo, como uma forte assimetria entre os elementos que constituem o pé, o animal revela também características únicas, como o formato do fêmur e a robustez dos elementos. Essas condições mostram que os proterochampídeos podem ter sofrido algumas mudanças na forma de locomoção durante sua evolução. 

  Ainda, outro ponto importante da descoberta de Retymaijychampsa beckerorum diz respeito ao seu posicionamento na árvore evolutiva dos proterochampsídeos. Há uma divisão principal dentro desse grupo que resulta na existência de duas linhagens principais. A mais abundante é composta por formas com membros locomotores mais gráceis e que aparentam ter hábitos terrestres. A outra linhagem é composta por menos espécies, possui membros locomotores mais robustos e é geralmente associada a hábitos de vida semi-aquáticos. De acordo com análises que reconstroem os graus de parentesco, constatou-se que a nova espécie pertence à segunda linhagem. Até então, nenhuma espécie tão antiga quanto Retymaijychampsa beckerorum havia sido reportada para essa segunda linhagem. Desse modo, a descoberta ajuda a preencher uma lacuna que existiu por muito tempo na árvore evolutiva desses répteis.
As buscas seguem no sítio fossilíferos
Após o Sr. Aurélio revelar o enorme potencial fossilífero da localidade de Paraíso do Sul, os pesquisadores passaram a realizar buscas constantes na área. Durante o ano de 2024 foram descobertos diversos novos fósseis no sítio fossilífero que preservou os fósseis de Retymaijychampsa beckerorum. Para os paleontólogos, o que mais chama a atenção no sítio fossilífero da família Becker é o fato de os esqueletos frequentemente serem encontrados articulados, uma condição muito rara para fósseis dessa idade. Dessa maneira, os fósseis se tornam mais informativos, uma vez que tendem a preservar mais partes do esqueleto. No momento, a equipe liderada por Müller trabalha na triagem e preparação de fósseis escavados no sítio durante trabalhos de campo conduzidos ao longo do último ano. Os paleontólogos esperam apresentar alguns dos novos achados ainda em 2025.
Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica
Os restos fósseis do Retymaijychampsa beckerorum, assim como uma série de outros achados, estão depositados no Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia da Universidade Federal de Santa Maria (CAPPA/UFSM) que fica localizado no município de São João do Polêsine, Rio Grande do Sul. O município faz parte do Geparque Quarta Colônia UNESCO. No centro de pesquisa há uma exposição de fósseis que pode ser visitada sem custo.
O estudo foi conduzido pelo paleontólogo da UFSM Rodrigo Temp Müller. A pesquisa recebeu apoio do CNPq e INCT Paleovert.

O artigo intitulado “A new proterochampsid archosauriform from the Middle–Upper Triassic of Southern Brazil” foi publicado no periódico “Acta Palaeontologica Polonica” e pode ser acessado gratuitamente através do link: https://www.app.pan.pl/article/item/app012042024.html

Foto: Janaina Dillmann
Foto Caio Fantini
]Foto: Janaina Dillmann
Fonte Assessoria de Imprensa
Universidade Federal de Santa Maria