Evento alusivo aos 12 anos da tragédia de Santa Maria promove reflexões sobre memória, dor e justiça


Encerrando a segunda e última noite da programação alusiva aos 12 anos do incêndio na boate Kiss, a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e o Coletivo Kiss: Que Não se Repita, com o apoio da Prefeitura, promoveram reflexões sobre os profundos impactos da madrugada que mudou para sempre a história de Santa Maria. A iniciativa foi transmitida ao vivo pela TV OVO e pode ser assistida na íntegra aqui.

Foi em um palco montado na Praça Saldanha Marinho, na noite de segunda-feira (27), que, em um ato de união e resiliência, pais de vítimas, sobreviventes e profissionais de saúde relataram suas experiências desde o dia 27 de janeiro de 2013. O incêndio na boate Kiss vitimou 242 jovens, feriu mais de 600 e ficou marcado por ser a maior tragédia do Rio Grande do Sul e a segunda maior do país em número de vítimas em um incêndio. Também foi elencado como o terceiro maior incêndio em casas noturnas do mundo.

“Nosso trabalho com a AVTSM e com o Coletivo Kiss vai continuar sendo fortalecido. Este é um momento que nos põe a refletir profundamente, para que tragédias como essa nunca mais se repitam. Com muita união e solidariedade, apoiamos os familiares e os amigos das vítimas para continuarmos o diálogo, sempre primando pela prevenção e pela preservação da memória”, destacou o prefeito Rodrigo Decimo durante o ato, na praça.

No terreno onde ficava a casa noturna, na Rua dos Andradas, o Memorial às Vítimas da Boate Kiss começa a ser concretado nesta terça-feira (28). O espaço será um local de memória e conscientização, destinado a honrar as vítimas e reforçar a importância da prevenção de incêndios. Ao mesmo tempo, simbolizará a luta contínua por justiça, segurança e valorização da vida. Saiba mais ao final do texto.

PAINÉIS DE DISCUSSÃO

Durante a programação do dia 27, na Praça Saldanha Marinho, foi realizada a exposição “Sobrevivi para contar”, mostra fotográfica produzida pelo coletivo ‘Kiss: Que Não se Repita’ com sobreviventes e familiares/amigos de vítimas que vivenciam a dor da perda. Cada narrativa é acompanhada de retratos sensíveis, que buscam refletir a profundidade das experiências vividas. A programação iniciou na noite de sexta-feira (26) com caminhada e vigília em frente às ruínas da boate.

“A nossa luta não vai trazer nossos filhos de volta, mas pode fazer com que tragédias como essa, que dilaceram famílias a partir da ganância, da negligência e da omissão, não aconteçam mais. Seguiremos com a nossa busca incansável por justiça e aguardando os próximos desdobramentos”, pontuou o presidente da AVTSM, Flávio Silva.

Buscando informar os pais e familiares sobre as últimas decisões do processo penal, o advogado da AVTSM, Pedro Barcellos Jr. explicou que o recurso dos réus tramita na última instância, no STF. Conforme o advogado, no dia 3 de fevereiro deverá ser publicada a decisão que determinará se o júri de 2021 será validado ou, caso contrário, se haverá um novo júri. Com relação aos processos indenizatórios, seguem em tramitação.

A dor de perder um filho foi o tema do painel “Vozes da saudade”, que contou com as falas de Maria Tagliapietra (mãe da vítima Luciano Tagliapietra Esperidião); Maria Aparecida Neves (mãe de Augusto Cezar Neves) e Adherbal Ferreira (pai de Jennifer Mendes Ferreira). Na ocasião, os pais compartilharam com o público as suas vivências particulares 
envolvendo o luto, a ausência e a luta por justiça, bem como a incompreensão e relativização da dor dos pais e familiares por parte da sociedade.

Elencando os principais desafios enfrentados desde a madrugada de 27 de janeiro, o painel “Sobrevivi para contar” reuniu os sobreviventes Mirian Schalemberg, Jovani Rosso, Cristiane Clavé e Delvani Rosso. Os relatos dos sobreviventes incluíram o novo olhar sobre a valorização da vida, a busca por prevenção, a relação com o luto e os impactos físicos e emocionais que a tragédia trouxe às suas vidas.

O último painel da noite foi “Cuidar e acolher”, e propôs o debate sobre a importância do cuidado e acolhimento na tragédia da Kiss. O assunto foi conduzido pelo psicólogo Volnei Dassoler e pelas enfermeiras Patrícia Bueno e Liane Righi, do Santa Maria Acolhe, serviço de Saúde Mental com atendimento à crise, situações de luto, traumas, ideação e tentativas de suicídio. A partir da perspectiva de profissionais da saúde, os painelistas falaram sobre a importância da união e dos laços de amizade, carinho, confiança e respeito na recuperação dos familiares e sobreviventes.

“Santa Maria Acolhe é um serviço de saúde mental que se estruturou a partir daquela madrugada. Acompanhamos todos os passos desde a tragédia. Hoje é um serviço que se tornou referência nacional em acolhimento e atendimento psicossocial no contexto de grandes desastres. Esse processo de acolhimento é uma sensibilidade com a dor alheia, com o sofrimento e o desamparo”, comentou o psicólogo Volnei Dassoler, coordenador do Santa Maria Acolhe.

A Prefeitura de Santa Maria apoia a iniciativa com a infraestrutura de palco, lonas, sonorização, cadeiras e banheiros químicos, além da atuação de agentes de trânsito e da Guarda Municipal. A iniciativa também contou com o apoio de TV OVO, Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm), Câmara de Comércio e Indústria de Santa Maria (Cacism), SM Outdoor.

MEMORIAL ÀS VÍTIMAS DA KISS

O memorial terá 383,65m² de área total construída distribuída em um único pavimento e inclui sala de escritório, sala multiuso, auditório, banheiros masculino e feminino, acessos ao auditório, depósito, área técnica, varanda e um jardim naturalista circular de flores. Ao redor do jardim, haverá 242 pilares de madeira, cada um representando uma vítima da tragédia.

A obra iniciou em julho de 2024, com o recolhimento de itens classificados pela AVTSM e que farão parte do acervo do Memorial, desmonte e retirada de entulhos. As caixarias – estruturas temporárias de madeira usada na construção civil para moldar concreto – foram concluídas na última semana e nesta terça-feira (28) inicia a concretagem estrutural. Após isso, em fevereiro, começa a construção de alvenaria, etapa que deverá se estender até o mês de março.

A obra está orçada em R$ 4,87 milhões, sendo que R$ 4 milhões é custeado com verbas do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), do MPRS. O restante do valor (R$ 870 mil) é contrapartida da Prefeitura.  A empresa vencedora do processo licitatório e responsável pela execução da obra é a INFA Incorporadora Farroupilha, de Triunfo. O projeto arquitetônico é de Felipe Zene Motta, da empresa Motta e Zene Engenharia e Arquitetura, de São Paulo. A concepção foi escolhida por unanimidade entre cerca de 120 propostas submetidas ao concurso aberto do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) do Rio Grande do Sul em 2018.

Texto: Lenon de Paula  
Fotos: Marcelo Oliveira  
Secretaria de Comunicação PMSM