Rodrigo Temp Muller
O primeiro dinossauro brasileiro foi descoberto em Santa Maria em 1936, mas só foi oficialmente descrito em 1970, recebendo o nome de Staurikosaurus pricei. Quase três décadas depois, em 1999, um novo dinossauro foi anunciado para o município. Recebido com grande entusiasmo pela comunidade científica, o réptil foi batizado de Saturnalia tupiniquim. Com cerca de 230 milhões de anos, ele se destacou por ser um dos dinossauros mais antigos já conhecidos no mundo. Apesar de boa parte do esqueleto fóssil ter sido preservada, a região facial não foi recuperada. Portanto, até então, não era possível determinar como foi a verdadeira face desse dinossauro. Esse cenário muda a partir de agora, com uma nova descoberta anunciada por pesquisadores da UFSM.
Os fósseis estudados foram escavados em 2018 no sítio fossilífero Cerro da Alemoa, localizado em Santa Maria. Depois disso, eles passaram por um minucioso processo de limpeza, que envolve a remoção da rocha que reveste os fósseis. Essa etapa revelou a presença de três indivíduos, sendo que um deles preservou o crânio quase completo. Ao observar a anatomia dos ossos que compõem a face do dinossauro, os pesquisadores ficaram surpresos com sua morfologia delicada e grácil. Assim, carinhosamente apelidaram o espécime de “Gracinha”.
Com base nas dimensões dos fósseis, foi possível determinar que eles pertenceram a dinossauros com aproximadamente 1,50 metros de comprimento. Ainda, a ocorrência de características únicas permitiu atribuí-los a espécie Saturnalia tupiniquim. Diante dessa constatação, a descoberta de materiais cranianos trouxe à tona uma série de novos dados a respeito desse dinossauro. A espécie teria um crânio relativamente curto e afunilado, com dentes em forma de punhal e munidos de serrilhas. Essas características são típicas de animais carnívoros. A curiosidade é que a espécie pertence à linhagem de dinossauros conhecidos por seu tamanho gigantesco, pescoço longo e dieta herbívora. No entanto, a explicação para isso é que Saturnalia tupiniquim foi um membro muito primitivo dessa linhagem, mantendo uma dieta carnívora e um tamanho corporal reduzido, características comuns aos seus ancestrais.
Uma espera de 25 anos
A descoberta de um crânio quase completo de Saturnalia tupiniquim também contribui para encerrar uma discussão que perdura há 25 anos. Com base nos poucos ossos cranianos descritos em 1999, pesquisadores sugeriram que a espécie teria um crânio pequeno em comparação com outros dinossauros de idade similar. Essa característica ajudaria a agrupar Saturnalia tupiniquim com dinossauros gigantes e herbívoros. Novas estimativas publicadas em 2019, baseadas em tomografias dos materiais recuperados em 1999, deram mais respaldo a essa hipótese. No entanto, foi apenas com a recente descoberta que essa hipótese pôde ser definitivamente confirmada. De fato, Saturnalia tupiniquim possuía um crânio relativamente pequeno. Os pesquisadores acreditam que essa característica, juntamente com sua dentição carnívora, pode ter ajudado a espécie a realizar movimentos rápidos com a cabeça para capturar presas.
Fim das pesquisas?
Após uma espera de 25 anos, o quebra-cabeças do Saturnalia tupiniquim finalmente está se aproximando de seu desfecho — ou quase. Paleontólogos destacam que ainda há muito a ser descoberto sobre esse dinossauro. Atualmente, novas pesquisas estão em andamento, envolvendo mais fósseis e diferentes abordagens, com o objetivo de desvendar outros aspectos da vida dessa criatura que habitou a região central do Rio Grande do Sul há 230 milhões de anos. Com essas investigações, espera-se compreender melhor o desenvolvimento desse dinossauro, seu comportamento e as interações com os outros organismos que coexistiram com ele em seus ecossistemas. Nos próximos anos, mais informações sobre esse fascinante dinossauro de Santa Maria deverão ser reveladas.
Equipe
A pesquisa foi conduzida por Lísie Damke, ao longo de sua pesquisa de Mestrado em Biodiversidade Animal (UFSM), sob orientação do Dr. Rodrigo Temp Müller (CAPPA/UFSM). Também participaram do estudo os pesquisadores Dr. Max Cardoso Langer (USP) e Dr. Átila Augusto Stock Da-Rosa (UFSM). A pesquisa recebeu apoio do CNPq, INCT Paleovert, CAPES e FAPESP.
Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia
Quem tiver interesse em conhecer os dinossauros da região central do RS, assim como outros fósseis, pode visitar o Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (CAPPA/UFSM) no município de São João do Polêsine. O município faz parte do Geoparque Quarta Colônia UNESCO. O CAPPA/UFSM fica aberto para visitação de segunda a domingo em horário comercial e a visita não tem custo.
Assessoria de Imprensa
Universidade Federal de Santa Maria
Fotos Rodrigo Temp Muller
Comentários