Em 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou uma das maiores catástrofes climáticas de sua história. As enchentes afetaram 478 cidades, deixando mais de 600 mil pessoas desabrigadas, e mais de 180 mortes. No dia 1° de maio, Santa Maria foi registrada como a cidade com o maior volume de chuva no mundo, chegando a 214 milimetros em apenas 24 horas.
Durante esse período, o curso de Meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em conjunto com a Rede Voluntária de Observadores de Tempestades (REVOT), desempenhou um papel crucial na produção e disseminação de informações meteorológicas. Professores, estudantes, técnicos administrativos e voluntários colaboraram em uma força tarefa que atuou de maio até junho de 2024. O grupo se reunia diariamente para elaborar e fornecer boletins e previsões do tempo, auxiliando assim, as defesas civis da região central do estado a planejar suas ações.
O professor Vagner Anabor, um dos coordenadores do Grupo de Modelagem Atmosférica da UFSM, lembra que as previsões meteorológicas apontavam acumulados de chuva entre 100 e 150 milímetros para a região central. Na manhã do desastre, já haviam sido registrados 30 milímetros — um sinal preocupante, considerando que esse volume representa quase um terço da média mensal da região. “Decidimos entrar em contato com a Reitoria. A UFSM, então, adotou providências para conter o fluxo de pessoas no campus, minimizando riscos. Pouco depois, estabelecemos um canal direto com a Defesa Civil regional”, relatou.
A partir desse contato, foi montado um Serviço Emergencial de Previsão do Tempo e Monitoramento de Fenômenos Severos, com atuação de professores, alunos da graduação e pós-graduação e integrantes da REVOT. Anabor destaca: “Nós monitoramos a intensidade da chuva nas barragens da região, os volumes acumulados mais críticos e também a possível intensificação ou enfraquecimento do sistema.” A equipe trabalhou de forma contínua por aproximadamente um mês, fornecendo boletins meteorológicos diários.
O professor de meteorologia e coordenador da REVOT, Ernani de Lima Nascimento, destacou que houve um esforço de organização interna para garantir a atuação coordenada entre o curso e os projetos de extensão: “Existia esse cuidado, pois essa ação junto à Defesa Civil era algo bem do curso de Meteorologia. E quando havia alguma sobreposição com o tipo de previsão do projeto REVOT, em um evento que era mais voltado ao granizo e vendaval, sempre tinha alguém do projeto que entrava naquele dia e dava sua contribuição. A ação foi mais ampla por conta da forma da demanda.” Ele também salientou a importância dessa atuação emergencial e impacto para os estudantes: “Esse foi um caso verdadeiramente operacional. Os alunos puderam colocar a mão na massa, participando de uma situação de crise e dando a sua contribuição para reduzir o impacto daquilo, então a gente percebia esse sentimento neles” afirmou.
Os boletins meteorológicos eram emitidos diariamente, com um resumo dos ocorridos nas últimas 24 horas e uma previsão das próximas 72 horas. Além da análise contínua do volume de chuvas, o grupo monitorava as condições atmosféricas para identificar a possibilidade de vendavais e granizo — fenômenos que poderiam comprometer ações de resgate e provocar novos danos, como destelhamentos. A equipe também prestava suporte logístico às operações aéreas, emitindo previsões para o pouso seguro de aeronaves que transportavam mantimentos ao estado. “Auxiliamos equipes que transportaram quase 3 mil quilos de insumos. Esse apoio meteorológico foi essencial para garantir segurança nos voos em meio a condições climáticas adversas”, afirma Anabor.
Vagner Anabor, destacou também destacou a importância da utilização dos novos equipamentos e do investimento feito na área, com destaque para a instalação, em 2023, de um radar meteorológico de dupla banda X-Ka, fruto de um acordo com o Instituto de Física Atmosférica de Pequim e a Agência Espacial Chinesa. O radar permite o monitoramento detalhado de nuvens de tempestade em um raio de até 100 quilômetros. “Esse radar tem uma função muito específica: observar internamente as nuvens de tempestade. Ele é fundamental para fazermos observações de longo prazo e entender como as mudanças climáticas estão afetando as características dessas tempestades, especialmente no Rio Grande do Sul. Isso é essencial para compreender fenômenos extremos como os que vivenciamos em 2024”, enfatiza.
Monitoramento contínuo e preparação para o futuro
Atualmente, o projeto segue atuando na UFSM auxiliando com previsões. Em maio de 2025, Santa Maria passou por um novo episódio de chuvas intensas e o grupo novamente forneceu suporte através do trabalho desenvolvido. Em contato com a reitoria da UFSM, forneceu boletins desde as primeiras horas do dia, auxiliando na antecipação de riscos e decisões operacionais.
De acordo com o Meteorologista, Murilo Lopes, Santa Maria chegou a acumular 200 mililitros em um período de dois dias. “Estamos sempre atentos para estes cenários. O contato com a reitoria é direto, para que todas as decisões possam ser tomadas com antecedência, evitando que alguma situação mais grave ocorra no campus” , comentou.
Murilo também apontou a relevância do conhecimento científico como ferramenta contra a ansiedade climática: “O conhecimento ajuda a preparar as pessoas. Se a pessoa não estiver capacitada ela vai ter uma certa temeridade em relação a fenômenos atmosféricos, e isso leva ao pânico, leva a ações ruins. Agora, se elas tiverem este conhecimento, elas vão saber como agir em uma situação extrema, então isso é super importante. Além de claro o conhecimento científico para além da universidade.”
Para ele, os eventos extremos dos últimos anos demonstram que as universidades têm não apenas o saber, mas também o potencial de oferecer respostas concretas à sociedade em momentos de crise. “A situação de 2024 envolveu toda a equipe da Meteorologia. Isso mostrou que temos capacidade de propor soluções e aplicar métodos que realmente funcionam. Se esses eventos se tornarem mais comuns, temos um modelo de atuação pronto para ser replicado”, concluiu.
O que é a Rede Voluntária de Observadores de Tempestades? (REVOT)
A Rede Voluntária de Observadores de Tempestades (REVOT) é uma iniciativa do curso de Meteorologia da UFSM, criada em 2010. O projeto busca capacitar a comunidade, através de treinamentos, em que voluntários aprendem a observar as mudanças climáticas, sabendo antecipar situações de risco. Os treinamentos — presenciais e remotos — abordam desde conceitos básicos de meteorologia até técnicas de observação de nuvens, rajadas de vento e granizo.
Desde 2022, cerca de 200 pessoas já participaram das formações. As observações climáticas são registradas em um formulário online, que qualquer pessoa pode responder, porém, os cursos buscam, através dos treinamentos, garantir registros mais padronizados.
A REVOT atua em parceria com a Cruz Vermelha Brasileira de Santa Maria, a Defesa Civil do estado de Santa Catarina, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas e com a Organização Internacional de Emergências Terrestres, Aéreas e Marítimas do Brasil.
Texto: Ellen Schwade, estudante de jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Design Gráfico: Daniel De Carli
Foto: Ana Alicia Flores
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